Editorial Correio do Estado
17/04/2009
Pelo menos 40 mil cidadãos sul-mato-grossenses, de origem guarani, vivem na mais absoluta miséria em aldeias do sul do Estado. A vergonhosa situação arrasta-se há décadas e autoridades municipais, estaduais e federais costumam fazer vistas grossas à degradação crescente. Agora, porém, ao que tudo indica, a União decidiu dar um basta nesta omissão. Para as autoridades de Brasília, isto é sinônimo de aumentar o tamanho das reservas ou criar outras. A reação de produtores e políticos foi imediata, o que era de se esperar, pois ninguém sabe ao certo o que a Funai pretende. Chegou-se a falar em 11 milhões de hectares. Outros deram a entender que seriam três milhões, enquanto uma terceira versão indica que serão em torno de 500 mil. Independente do número correto, qualquer um deles parece exagerado, pois a falta de terra, embora um dos principais problemas dos indígenas, está longe de ser o principal.
Mas, as autoridades locais assumem a mesma ótica da Funai a partir do momento em que simplesmente se limitam a tentar barrar o aumento das áreas. Buscar soluções para a degradante situação das moradias, a falta de educação, a fome, criminalidade, consumo de álcool e drogas mais pesadas e suicídios nem mesmo entram na agenda de quem quer que seja. A prova mais evidente disto é o fato de a comitiva que nesta semana foi para Brasília levar um apelo ao ministro da Justiça, Tarso Genro, para que as portarias da Funai sejam suspensas, ter simplesmente ignorado o deputado Pedro Kemp, presidente da Comissão de Desenvolvimento Agrário e Assuntos Indígenas da Assembleia Legislativa. Ou seja, ao que ficou explicitado, os seres humanos que vivem em situação pré-histórica nem mesmo passam perto da preocupação dos representantes de todos os sul-mato-grossenses, independentemente da situação econômica, cultural ou étnica.
Até prova em contrário, conforme demonstra seu passado, o parlamentar petista é um dos poucos que está tendo a ousadia de permanecer do lado dos indígenas. Se é estratégia política ou preocupação real com os seres humanos, ninguém sabe ao certo. É certo também que sua presença pouco alteraria o foco da reunião em Brasília. Nas entrelinhas, porém, sua ausência evidenciou o que passa pela cabeça do governador, por exemplo.
Se a União quer aumentar o tamanho das reservas é sinal de que o imobilismo pode estar chegando ao fim. Então, está aberta a oportunidade histórica para buscar uma solução que deveria envergonhar qualquer sul-mato-grossense. Em vez de buscar o enfrentamento, as autoridades locais deveriam, isto sim, firmar parceria com a União para que o bom senso prevaleça, para que não ocorram exageros nas possíveis demarcações, mas que cesse a tendência de empurrar este gravíssimo problema para debaixo do tapete. Os políticos também precisam entender que acabarão dando o tom das reações tanto de indígenas quanto de produtores. Até agora, tudo o que fizeram foi acirrar os ânimos. Se ocorrerem mortes, como gostam de prever, terão tanto ou mais responsabilidade quanto a Funai, pois uma solução precisa ser buscada. Hoje já ocorrem dezenas de mortes todos os anos, mas todas do lado indígena (por subnutrição, suicídios, assassinatos, cirrose hepática…). Então, da forma como está é que não pode ficar esta questão.
A renúncia do deputado Pedro Kemp de uma comissão da qual não há disputa, está servindo ao menos para evidenciar quão tendenciosa, racista e interesseira é nossa classe política. Distribuir 500 mil hectares entre os guarani certamente é um exagero. Mas muito mais grave que isso é fazer esta mobilização toda para que milhares de pessoas continuem nos campos de concentração e literalmente morrendo à míngua.
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