“Nossas crianças veêm suas lideranças serem assassinadas!”, desabafa líder Terena, Alicinda Tibério
No Dia do Índio – 19 de abril – a falta da terra e os reflexos entre os jovens que vivem nas aldeias mobilizaram a a audiência pública “Aspectos Psicossociais da Infância e Adolescência Indígena em Mato Grosso do Sul”, transmitida ao vivo pela TV Assembleia na tarde de hoje. Proposta pelo deputado Pedro Kemp, líder do PT na Assembleia Legislativa, a discussão aberta para a população revelou dados importantes sobre a população indígena.
A professora Guarani, Teodora Souza, da Aldeia Jaguapiru, em Dourados, abordou a falta de ações na Educação, Cultura e Lazer pautadas no conhecimento da cultura indígena. Diante do fato, Kemp afirmou que providências para cobrar do poder público o direito do índio apontar quais os caminhos ele quer seguir, serão tomadas.
A líder terena, de Aquidauana, Alicinda Tibério, hoje moradora em Campo Grande, fez um desabafo ao dizer que os patrícios deixam a aldeia em busca de uma vida com dignidade, mas jamais esquecem suas origens. Ela fez um desabafo ao dizer que: “Nossas crianças veêm suas lideranças serem assassinadas!”
Crescimento populacional x crianças e adolescentes
Segundo o último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 1991 até hoje subiu de 34% para 80% o número de municípios brasileiros com alguém que se declara indígena.
Kemp explicou que o aumento se deve ao fenômeno etnogênese, na qual o indígena tem assumido sua etnia e recriado suas identidades após esconder durante anos suas origens para enfrentar a exclusão social. “O mais importante é que eles estão se organizando e buscando reafirmar seus direitos”, concluiu o parlamentar, de acordo com reportagem publicada no site www.al.ms.gov.br.
Em todo o país, são 813 mil índios. Mato Grosso do Sul é o segundo Estado com maior população indígena (73 mil índios), o que representa 3% do total da população. O Estado continua sendo marcado, segundo o parlamentar, pelos conflitos agrários. “Essa luta tem custado muito para as lideranças das etnias, principalmente os Kaiowás e Guaranis”, levantou.
Nizio Gomes é lembrado em audiência pública
Kemp citou o caso do cacique guarani Nizio Gomes, desaparecido desde novembro do ano passado. “Temos que repudiar a violência contra os indígenas e prezar pela segurança das comunidades que, apesar de ameaçadas, continuam lutando pelos seus direitos”.
Vulnerabilidade e invisibilidade
Para Kemp, a criança indígena tem ficado invisível, sofrendo a realidade de miserabilidade, fome, alcoolismo e uso de drogas que envolvem os grupos. “O lado mais fraco é a criança e o adolescente que estão mais vulneráveis nesse contexto”.
Hoje, 44% dos índios do Estado, segundo o IBGE, possuem de 0 a 14 anos de idade. “Se essa é a realidade, precisamos discutir políticas públicas e alternativas voltadas para os pequenos índios e vislumbrar um futuro de cidadania porque eles são vítimas fáceis de um caminho que nós não queremos que sigam”, concluiu Pedro Kemp.
Antropólogo faz alerta sobre a presença das drogas nas aldeias
A audiência pública também expôs a situação dramática vivida por crianças e jovens indígenas de Mato Grosso do Sul como o enfrentamento à violência doméstica que, de acordo com o representante da Funai (Fundação Nacional do Índio), o antropólogo Diógenes Egidio Cariaga, tem se acentuado devido aos problemas com o álcool e drogas entre índios adultos.
“Além de sofrer os mesmos problemas dos adultos, as crianças e os adolescentes estão mais expostos à vulnerabilidade que ocorre dentro do grupo e acabam sendo mais afetados”, afirmou. Conforme o pesquisador, os pequenos indígenas são capazes de perceber todo o contexto da problemática pelo qual se encontram. “Elas entendem que toda a história cultural do seu povo as trouxeram para a extrema vulnerabilidade e pobreza na qual estão hoje”, frisou.
Na opinião do antropólogo, o Estado deve respeitar a forma como é organizada cada sociedade indígena com políticas públicas específicas. “A dinâmica social das comunidades é atravessada pelas ações do Estado, que simplesmente não pede licença, apenas entra e acaba por garantir condições minímas de dignidade. Os indígenas precisam ter sua história e seus direitos respeitados”, considerou.
Conselheira federal de psicologia chama de genocídio realidade de indígenas em MS
Pelo menos 250 índios foram mortos no últimos cinco anos em Mato Grosso do Sul. O levantamento feito pelo Conselho Federal de Psicologia revela, segundo a conselheira e psicóloga social, Flávia Cristina Silveira, a realidade do genocídio dos povos indígenas em todo o Brasil.
Conforme a psicóloga, o olhar estigmatizado e preconceituoso explica os atos de extermínio e prejudica ações de acolhimento da população indígena, principalmente, de crianças e adolescentes indígenas. “Elas são encaradas como o resto e não como parte da população do país”, afirmou.
A ausência de políticas públicas e investimentos, afirma a conselheira, coloca os povos indígenas em uma condição de vulnerabilidade ao etnocídio. “Deixar morrer é uma omissão, o que também é uma forma de matar e nossas políticas públicas. Da maneira como é aplicada tem deixado os índios morrerem”, declarou.
Presidente do CRP14 aborda a violência na luta pela terra
Para a psicóloga, a questão da demarcação das terras ainda é o principal desafio para mudar o cenário sangrento que envolve a luta pelos direitos indígenas. “A sociedade tem que fazer seu papel que é cobrar o Estado e lutar pelas políticas públicas desses grupos”, comentou.
Ela ainda ressaltou que, pelo Brasil, grupos de direitos humanos, estudiosos e pesquisadores já têm se organizado para mudar a realidade dos índios.
Para o presidente do CRP14 (Conselho Regional de Psicologia 14ª), Carlos Afonso Marcondes Medeiros a ação de jagunços, o preconceito, a violência e o abandono sufocam as comunidades indígenas no Estado. A luta pela terra e o caso Nizio Gomes, de Amambai, desaparecido desde o final do ano passado, sintetizam a realidade no Estado, segundo ele.
Posse do ministro da “Raposa Serra do Sol” é emblemática, diz presidenta da Comissão de Assuntos Indígenas da OAB
Para Samia Roges Jordy Barbieri, que preside a Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso do Sul), a posse do ministro Carlos Ayres Britto, ocorrida nesta quinta-feira – Dia do Índio, na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), é sinal de avanço para a questão indígena no País.
“Teremos um jurista humanista e com ele nasce a esperança de vivermos em um Estado desenvolvimentista, mas com uma identidade cultural”, declarou.
Ela lembrou a decisão do STF assinada por Ayres pela demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e a desocupação de produtores rurais do local.
Na época, em seu voto, o ministro Ayres Britto qualificou de “falso” o pretenso antagonismo existente entre os índios e o desenvolvimento. Em seu discurso, lembrou que os índios ajudaram a defender o território brasileiro contra franceses e ingleses e que se comete uma “injustiça histórica” ao não reconhecer que eles tiveram — e têm — contribuição importante para consolidação e desenvolvimento do país. O ministro definiu os indígenas como co-autores da ideologia nacional.
“O relatório do ministro Ayres foi uma verdadeira aula de Direito Indígena”. Samia defende que a sociedade aceite o desenvolvimento com a complementação de culturas. “É necessário uma visão etno sustentável onde produtos advindos de terras demarcadas tenham selo verde e sejam valorizados aqui e lá fora”.
Foram cerca de quatro horas de discussões e os pontos mais polêmicos deverão ser elaborados para que os gestores públicos possam desenvolver ações eficazes juntos às crianças e adolescentes indígenas no Estado.
(Jacqueline Lopes com www.al.ms.gov.br)
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