“A proposta do governo se fundamenta em uma tese falsa: a Previdência está quebrada. Não é verdade”, afirmou o ex-ministro da Previdência Social, Carlos Gabas. Com base no Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), ele informou que, até 2015, havia superavit no regime urbano da Previdência. “O que aconteceu desde então para o governo dizer que quebrou?”. De acordo com, a análise do ex-ministro, o que houve no período foi uma mudança conjuntural, relacionada, sobretudo, ao avanço do desemprego e da informalidade. Sem ter trabalhadores com carteira assinada, não há recolhimento para a Previdência Social.
Uma carta com manifesto contrário à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, que modifica o sistema previdenciário, foi encaminhada à bancada federal de Mato Grosso do Sul. O documento resultou da audiência pública “A reforma da Previdência e os Impactos Constitucionais, Econômicos e Sociais”, realizada na segunda-feira (13), na Assembleia Legislativa, por proposição do deputado estadual Pedro Kemp (PT). O evento contou com a presença do ex-ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, que proferiu palestra sobre o assunto. Também participaram os deputados federais Dagoberto Nogueira (PDT) e Vander Loubet (PT).
Carlos Eduardo Gabas proferiu palestra sobre o assunto durante a reunião
O objetivo da audiência pública foi esclarecer à população sobre o projeto de reforma da Previdência, que está tramitando no Congresso Nacional. “Boa parte das pessoas ainda não teve acesso ao conteúdo da reforma. O importante é fazermos um debate qualificado sobre como a reforma vai impactar nossa vida, principalmente as mulheres, que têm dupla jornada, e os jovens, que estão entrando no mercado de trabalho”, disse o proponente da audiência. Kemp acrescentou que o debate é importante para que a reforma “não prejudique quem ganha menos, trabalhadores assalariados, idosos que recebem o BPC [Benefício de Prestação Continuada] e quem ainda vai entrar no mercado”.
Carlos Gabas, que esteve à frente do Ministério da Previdência Social entre março de 2010 e janeiro de 2011 e entre janeiro e outubro de 2015, falou ao público que lotou o Plenário Deputado Júlio Maia, na Casa de Leis. Participaram pessoas ligadas a 45 entidades de classe e movimentos sociais, que representam diversos segmentos, como docentes da educação básica e superior, trabalhadores rurais, da construção civil, juristas, psicólogos, bancários, estudantes.
Gabas concorda com a necessidade de reforma, devido à transição demográfica decorrente da maior expectativa de vida. “Isso não é um problema. Ao contrário, é algo muito bom, pois estamos vivendo mais. Não é problema, mas é desafio. A pergunta que devemos fazer é: qual a qualidade de vida nesses anos que viveremos mais?”, afirmou.
Para enfrentar o desafio do aumento da expectativa de vida, é preciso reformar o sistema previdenciário, mas não como é proposto pelo Governo Federal, de acordo com Gabas. Ele afirma que a receita previdenciária não deve depender apenas da folha salarial. “E num quadro de desemprego e da informalidade, isso é muito grave. Temos hoje mais de 13 milhões de desempregados e 25 milhões de trabalhadores informais. Essa situação derreteu a contribuição para a Previdência”, disse Gabas.
A partir desse quadro, o ex-ministro considerou que a superação dos desafios em pauta se relaciona com a retomada do emprego, mas também com a recomposição da receita para a Previdência. “Devemos buscar outras formas de financiamento”, disse, especificando que, nessa ampliação de fontes, o governo deveria reduzir as isenções fiscais. Ele exemplificou com a Lei Federal 13.586/2017, que instituiu o regime tributário especial para a exploração e produção de petróleo. De acordo com Gabas, a renúncia fiscal, apenas neste caso, soma R$ 1 trilhão. “E este é o mesmo número da cabala do [ministro da Economia] Paulo Guedes”, afirmou, completando o número seria cabalístico, porque o atual ministro ainda não explicou o porquê do valor – pela projeção do Governo Federal, a reforma da Previdência proporcionaria economia de R$ 1 trilhão no período de dez anos.
No fim de sua fala, Gabas apresentou três pontos que considera importantes no processo da reforma da Previdência. “Primeiro, o governo deve abrir os números [relativos a receitas e despesas previdenciárias]. Em segundo lugar, precisa identificar os segmentos que sonegam e combater essa sonegação. E, por fim, é necessário reavaliar as isenções fiscais, acabando, assim, efetivamente, com os privilégios”, enfatizou.
Encerrada a palestra do ex-ministro, o deputado Pedro Kemp, que presidiu a audiência, abriu para questionamentos e comentários do público. Depois do debate, o propositor da audiência agradeceu a presença do ex-ministro, e convidou as pessoas, presente na reunião a se mobilizarem. “Devemos intensificar nossa luta, fazermos pressão sobre os parlamentares que votarão a reforma, ganhar a opinião pública, de forma pacífica e democrática”, disse. As discussões na reunião fundamentarão carta com manifesto contrário à reforma da Previdência, que será enviada à bancada federal de Mato Grosso do Sul.
Ex-ministro – Carlos Gabas é servidor público do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e foi ministro de Estado da Previdência em 2010 e 2015, secretário-executivo do Ministério da Previdência entre 2011 e 2014 e ministro da Aviação Civil em 2016. Também é técnico do Seguro Social, graduado em Ciências Contábeis e pós-graduado em sistemas de gestão de Seguridade Social pela Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha. Mato Grosso do Sul é o 17º estado que ele visita para falar sobre a proposta da reforma da Previdência.
Carta-manifesto da Audiência Pública sobre os Impactos Constitucionais, Econômicos e Sociais da Reforma da Previdência
Os cidadãos e cidadãs, representantes de entidades sindicais, representantes de movimentos sociais e de entidades da sociedade civil organizada, autoridades públicas e mandatários (as) presentes na audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, por proposição do deputado estadual Pedro Kemp (PT), neste dia 13 de maio de 2019, a partir das discussões realizadas, manifestam à sociedade e à bancada federal por MS e Congresso Nacional:
1. A PEC 006/2019, apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional é injusta e cruel com os mais pobres e vulneráveis da nossa sociedade. Sua aprovação desmantelará o sistema de seguridade social brasileiro e inviabilizará a Previdência Social pública, que atualmente garante um mínimo de proteção e alguma distribuição de renda para amplas camadas sociais em regiões/municípios com economias menos dinâmicas e ricas.
2. A desconstitucionalização da Previdência Social brasileira proposta na PEC 006/2019 é um retrocesso na segurança jurídica dos cidadãos, abrindo o caminho para a retirada de direitos dos trabalhadores que contribuíram ao longo de décadas com o atual sistema. Se aprovada, jogará graves incertezas quanto ao futuro das populações protegidas, na contramão do pacto constitucional.
3. O regime de capitalização individual, que será implantado após a PEC 006/2019 em detrimento do regime de repartição atualmente vigente, rompe com o princípio da universalidade e da solidariedade. A dignidade das aposentadorias e pensões deixa de ser uma obrigação do Estado e passa a ser meramente mais um produto de mercado, beneficiando apenas os empresários que deixarão de contribuir, o governo de plantão que deixa de se responsabilizar com os cidadãos contribuintes e o sistema financeiro que passará a gerir montantes significativos de recursos.
4. A “nova reforma da previdência” é danosa para o conjunto da população. O único setor que a PEC 006/2019 não atinge é dos militares. Este foi objeto de outro projeto, que amplia as distorções na previdência entre civis e militares, além de ampliar as distorções entre os próprios militares de baixa e alta patente, oficiais e praças.
5. As mulheres serão as maiores prejudicadas pelas mudanças propostas. Se aprovada, as mulheres, que já sofrem com a desigualdade econômica, a violência doméstica e social, as duplas e triplas jornadas de trabalho, terão que contribuir por tempo ainda maior para receber menos, vislumbrando-se o aprofundamento das desigualdades de gênero.
6. As trabalhadoras e os trabalhadores rurais, os idosos, as pessoas com deficiencia e os aposentados por invalidez serão penalizados por cálculos financeiros e parâmetros que tornam suas aposentadorias e pensões, já modestas, ainda menores. Os benefícios de prestação continuada e pensões serão desvinculados do piso do salário mínimo. E no âmbito da assistência social, idosos carentes, entre 60 e 64 anos, terão que sobreviver com R$ 400 mensais.
7. Atualmente, professores e trabalhadores sob condições insalubres são devidamente reconhecidos com tempo especial para aposentadoria porque são afligidos por maior penosidade laboral. Mas a PEC 006/2019 propõe o fim deste reconhecimento. Desta forma, a exemplo das demais categorias, serão penalizados em nome do argumento falacioso do equilíbrio fiscal.
8. Se a PEC 006/2019 for aprovada, pessoas que se tornarem incapazes para o trabalho em decorrência de doenças graves ou crônicas terão direito a somente 60% do benefício, caso tenham trabalhado até 20 anos antes de ficarem incapazes. Hoje, toda aposentadoria por invalidez dá direito a 100% do benefício, não importando o tipo de doença.
9. Com a PEC 006/2019, o governo apresenta o diagnóstico errado (déficit da previdência) para alcançar um objetivo falacioso (“equilíbrio fiscal” e “recuperação da economia”). A história recente já demonstrou que é possível equilibrar o sistema ampliando a formalização do mercado de trabalho e reduzindo o desemprego. Ou seja, a Reforma Trabalhista (Lei Nº 13.467/17) está prejudicando o sistema de previdência, pois facilitou a precarização e a informalização do trabalho. Ao invés de constitucionalizar o caminho equivocado, o Congresso Nacional deveria mudar o rumo e revogar a Reforma Trabalhista.
10. Ao contrário do que apregoa o discurso governista, de que a PEC 06/2019 vai acabar com os “privilégios” e gerar economia de R$ 1,2 trilhão, segmentos privilegiados estão sendo aquinhoados com a incorporação desses privilégios e os trabalhadores que recebem um salário mínimo – 60% de todos os contribuintes – vão arcar com os R$ 900 bilhões da alegada “economia”. Ou seja, o governo quer economizar com quem recebe o mínimo para sobreviver e favorecer segmentos abastados da sociedade.
11. Um dos pontos mais cruéis é o cálculo da aposentadoria. Hoje, o trabalhador recebe uma média de 80% das melhores contribuições, ou seja, dos melhores salários que teve durante a sua vida profissional. A reforma propõe iniciar em 60% de todas as contribuições e engloba os piores salários, ou seja, vai diminuir drasticamente o resultado final do valor da aposentadoria. Condenará quase todos os segurados a terem aposentadoria de um salário mínimo.
12. Manifestamos total repúdio à PEC 006/2019 e pedimos à bancada federal do Mato Grosso do Sul que, em respeito aos seus eleitores, se posicione pelo arquivamento integral da proposta defendida pelo atual governo. O texto não atende às reais necessidades da sociedade, mas sim ao interesse de apenas um pequeno grupo de empresários e rentistas. Assumimos o compromisso de ampliar o debate e a conscientização das bases de nossa sociedade sobre os reais interesses dessa proposta e as suas consequências. Também conclamamos a todos os setores populares, democráticos e progressistas a se unirem para barrar a aprovação da PEC 006/2019 e a destruição do Sistema de Seguridade Social e da Previdência Social Pública.
#NÃOàNovaReformadaPrevidência
#NÃOàDesconstitucionalizaçãodaPrevidênciaSocial
#NÃOaoRegimeCapitalizaçãodaPrevidência
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Jacqueline Lopes (Assessoria de Imprensa do Mandato Pedro Kemp) e Osvaldo Júnior (jornalista da Assembleia Legislativa de MS)
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