Órfãos da reeleição usam descontentes da esquerda para peitar o governo, mas o presidente prefere tentar reverter na Câmara a derrota sofrida no Senado.
Nelson Breve 18/06/2004
Brasília – O 13 é um número que persegue o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mãe dele, Dona Lindu, vendeu tudo o que tinha no sertão de Pernambuco por 13 contos de réis e partiu com os filhos para São Paulo em um caminhão pau-de-arara no dia 13 de dezembro de 1952. Foram 13 dias de viagem. Quando foi preso por liderar greves no ABC paulista, a soma dos algarismos de sua ficha criminal era 13. Como foi 13 o número escolhido para registrar o PT na Justiça Eleitoral e identificar os candidatos do partido nas eleições. Foi apertando o número 13 que 53 milhões de brasileiros elegeram Lula presidente, 13 anos depois da primeira tentativa. E foi no 13º dia após o 13º mês de seu governo a eclosão do escândalo Waldomiro Diniz, que ainda assombra o Palácio do Planalto.
Nesta quinta-feira, faltando 13 dias para o fim do semestre, o 13 marcou mais um episódio na vida do presidente. Por uma diferença de 13 votos, Lula sofreu sua maior derrota no Congresso. A proposta da oposição, que eleva o salário mínimo para R$ 275,00, venceu no Senado – onde o PT tem 13 senadores – por 44 votos a 31. Foi uma vitória meio envergonhada. Com uma comemoração discreta. Só entre alguns senadores. Observada com indiferença pelas poucas pessoas que assistiram a sessão das galerias do plenário. A conversão da medida provisória (publicada no Diário Oficial em 30/04/2004 – data cuja soma dos algarismos dá 13) volta agora para a Câmara, que poderá confirmar o novo valor ou manter os R$ 260,00 fixados pelo governo.
Pode-se enumerar 13 razões para o fracasso. Das disputas e intrigas palacianas à inabilidade e falta de credibilidade de líderes governistas. Mas todos os personagens dessa novela sabem que a disputa em torno do reajuste do salário mínimo não era uma questão de números. “É uma questão política. Trata-se de derrotar ou não derrotar o presidente da República”, dizia o líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN), na véspera da votação. Para ele e outros parlamentares da coalizão governista o embate no Senado foi um divisor de águas. O governo sabe agora que nas horas difíceis só pode contar com 31 dos 46 senadores dos partidos integrantes do seu arco de alianças.
A votação do salário mínimo escancarou a fragilidade da base governista, que vinha sendo escondida em baixo do carpete azul do plenário do Senado. As vitórias obtidas pelo governo no ano passado, principalmente nas reformas constitucionais que exigiam maioria de 60%, transmitiram a falsa imagem de que a situação estava sob controle. Quem pode mais, pode menos. Mas a lógica da política não acompanha a matemática. Está mais próxima da física: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, toda ação provoca uma reação de igual força e intensidade, o atrito reduz a força, forças iguais em sentidos contrários de anulam.
Aliança de forças antagônicas
A origem dos problemas é simples: o presidente Lula foi eleito com quase 60% dos votos válidos, mas seus aliados conquistaram apenas 40% das cadeiras do Parlamento. A popularidade do presidente exerceu uma força gravitacional que ampliou sua base parlamentar, mas a conquista da maioria qualificada só foi possível com a composição de uma base heterogênea – aos partidos de esquerda que faziam oposição ao governo anterior juntaram-se PL, PMDB, PTB, PP e parte do PFL e do PSDB. Forças antagônicas às que lotearam o governo no primeiro momento foram atraídas na expectativa da partilha futura dos bônus do poder. Alinhados nas mesmas fileiras, ambientalistas e ruralistas, sindicalistas e representantes de entidades patronais, privatistas e estatizantes, assistencialistas e universalizantes, petistas e antipetistas, coronelistas e anticoronelistas, maragatos e chimangos, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães.
O tempo foi passando e as dificuldades apareceram, a popularidade desgastou e os atritos aumentaram na medida em que as eleições municipais foram se aproximando e despertaram as divergências recolhidas. A base foi sendo minada por vários lados. O descontentamento da esquerda com a política econômica conservadora, o escândalo que atingiu o ministro mais poderoso, a impaciência dos neogovernistas com a demora na redistribuição dos cargos, as restrições orçamentárias e burocráticas para liberar recursos, a desorganização do governo, a falta de afagos aos aliados, as promessas não cumpridas, os embates regionais, as divergências internas do governo e do PT a falta de entrosamento entre o corpo de comando do Executivo e o do Legislativo.
“O que o governo tem que fazer neste momento é refletir. Uma derrota por 13 votos é uma demonstração de que as relações entre o presidente e os senadores não estão boas”, advertiu o senador Paulo Paim (PT-SP) que havia previsto a derrota se o governo fosse inflexível no salário mínimo. Isso vai de Flávio Arns (PT-PR), que queria apenas ter a oportunidade de apresentar a Lula seus argumentos na defesa de um reajuste maior no salário mínimo, ao vice-líder do governo Ney Suassuna (PMDB-PB), que quase acompanhou Arns e Paim no voto contra Lula porque o seu adversário político Efraim Moraes (PFL-PB), líder da minoria, está sendo mais bem tratado que ele na liberação de recursos. De acordo com Suassuna, pelo menos dez senadores dos 31 que apoiaram o governo disseram que esta foi a última vez, caso as coisas não mudem. “Muita gente não gostou de saber que as emendas da Heloisa Helena (PSOL-AL) e do Mão Santa (PMDB-PI) estão sendo liberadas”, confidenciou, assinalando que os dois sempre votam contra o governo.
O resumo da novela é que o governo está tendo que definir sua nova base parlamentar. Essa definição está atrelada à disputa pelo comando do Senado. Quando o ministro da Casa Civil, José Dirceu, cuidava da articulação política, tinha como principais interlocutores o presidente José Sarney (PMDB-AP) e o líder do governo Aloizio Mercadante (PT-SP). O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, estendeu a interlocução ao líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), ao líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra (PTB-RN), e ao vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). A manobra para permitir a reeleição de Sarney, colocou em risco o apoio da maioria do PMDB no Senado. Por isso, o presidente Lula preferiu não se intrometer na disputa. A derrota da reeleição na Câmara favoreceu Renan, que saiu credenciado a suceder Sarney. O presidente do Senado e seus principais aliados responsabilizaram Aldo pelo infortúnio. A batalha do salário mínimo acabou sendo usada para tentar enfraquecer o ministro da Coordenação Política e restabelecer o canal de interlocução de Dirceu.
Lula bancou a derrota
Mas o presidente Lula pagou o preço da derrota, que Renan está jogando nas costas de Sarney ao assinalar que dois dos dissidentes do PMDB são ligados a ele – Papaléo Paes (AP) e João Alberto (MA). “Não pode atribuir esses votos a mim”, esquivou-se. O líder do PMDB sustenta que o governo voltará a ter maioria no Senado porque não haverá outra situação que reúna no mesmo lado ACM, os aliados de Sarney, Heloisa Helena, os senadores do PL e os dissidentes do PT e do PSB. Para quem duvida e suspeita que “a vaca esteja indo para o brejo”, o vice-líder Romero Jucá diz que antes de tirar uma conclusão é preciso localizar o brejo. “Será que a vaca está indo ou saindo do brejo?”, indaga.
Qualquer que seja a resposta, o próximo passo do governo depois de travar a nova batalha na Câmara é reorganizar a articulação política. O senador Tião Viana (AC) sugere a montagem de um núcleo com bases na Câmara, no Senado e no Planalto que trabalhe em sintonia e melhore a eficiência, principalmente na antecipação dos problemas. Fernando Bezerra também está preocupado com a administração do “day after”. Acha que o governo precisa tirar uma lição da derrota. “Se continuar como está, o governo vai perder tudo daqui para frente”, adverte. Ney Suassuna espera que essa reorganização comece com o reconhecimento do sacrifício dos 31 senadores que votaram com o governo. “Vamos ver se o presidente Lula fica com os que permaneceram fiéis a ele e não com os que o derrotaram”. A refundação da base governista pode começar com o inverso do número que persegue o presidente – 31 é 13 ao contrário
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