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Projeto pode tirar até 45% de terra indígena em Roraima

abr 15, 2004 | Geral

A proposta apresentada pelo deputado federal Lindberg Farias (PT-RJ) para reduzir a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, pode tirar dos índios, em um cálculo aproximado, até 45% da área previamente demarcada por portaria ministerial de 1998. O local é foco de conflitos entre índios e fazendeiros e depende da assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ser homologado. O relatório do parlamentar servirá de base para a decisão presidencial.

Como relator da comissão externa criada pela Câmara para “avaliar a situação da demarcação” da área em Roraima, Lindberg sugeriu algo inédito nos processos de demarcação de terras indígenas: a criação de uma faixa de 15 km, “uma espécie de calha”, como ele definiu, ao longo das fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Guiana (cerca de 506 km de extensão).

Além disso, o relatório de Lindberg excluiu a cidade de Uiramutã, estradas e áreas de plantio de arroz, cortando em várias direções a área onde vivem cerca de 15 mil índios macuxis, taurepangues, uapichanas e ingaricós.

Na futura “faixa de proteção”, sugere o relatório do deputado, poderiam ser criados pólos urbanos e “produtivos”, por não-índios, que conviveriam com as malocas dos índios. A razão para a calha, segundo o deputado, é “a segurança nacional”.

Em seu relatório, o deputado não deixou claro o tamanho da área a ser excluída com a medida. Ela implicaria a perda estimada de até 759 mil hectares, num cálculo que considerasse uma fronteira em linha reta. A terra indígena Raposa/Serra do Sol possui 1,67 milhão de hectares.
Ao saber que o deputado estava encerrando seu relatório, no início do mês, um grupo de oito líderes indígenas procurou Lindberg em Brasília. A reunião ocorreu numa sala da Câmara, no último dia 1º, e foi registrada por um gravador levado por um índio.

A conversa mostra que Lindberg Farias, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na época do impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992, incorporou ao seu discurso teses polêmicas suscitadas por oficiais das Forças Armadas na década de 80 e repetidas em Roraima por produtores rurais e pelo governo do Estado, contrários à demarcação.

Lindberg diz temer a possibilidade da criação de uma “nação ianomâmi”. Ele levanta esse fantasma para justificar mudanças na área macuxi. A tese, nunca comprovada, foi levantada na época da homologação da área ianomâmi, também em Roraima, assinada por Collor em 1992. “[…] Eu sei que não há interesse dos índios ianomâmis, mas, se existisse interesse dos índios ianomâmis de batalhar por uma auto-determinação e até soberania daquilo ali [terras indígenas ianomâmis no Brasil e na Venezuela]… Têm tudo, o mesmo povo, os dois territórios ali, têm a mesma língua. […] Você tem como dizer que ali é um povo, que habita um território, que é uma nação”, disse Lindberg.

Em certo ponto da conversa, o deputado pressiona os macuxis para que aceitem negociar a redução da área indígena. “[Vocês podem] dizer pra mim o seguinte: “Tem possibilidade de a gente discutir, fazer um acordozinho mínimo?”. Senão, nós vamos, eu vou com a minha proposta original. Eu tenho preocupação com esse negócio de faixa de fronteira. Nós vamos apresentar um relatório, eu estou antecipando aqui para vocês, que vai propor a exclusão, não de 150 km, mas por motivos determinados, de uma faixa, de uma franja, uma espécie de calha aqui. […] Nós vamos para o debate. Vai entrar em discussão essa questão da soberania nacional, vai juntar aqui Câmara e Senado, tem uma movimentação grande, vocês sabem, que é das Forças Armadas, de muita gente também dentro do governo. E, de fato, o impasse está aumentando na mesa do presidente.”

Lindberg insinuou, na conversa, que os parlamentares e o governo de Roraima exercem pressão para que o Planalto não assine a homologação da área na forma contínua. “O presidente da República também está numa situação muito difícil. Tem discussões sobre aspectos econômicos ali da região, tem discussão sobre aspectos federativos, tem discussão sobre essa questão da soberania nacional, tem um levante que, para o presidente da República, querendo ou não, isso vale. Toda a representação legal do Estado de Roraima, todos os deputados estaduais, todos os senadores, têm uma posição contrária do [ao] jeito que está sendo feito ali.”

No Senado, outro estudo, relatado pelo parlamentar do PT Delcídio Amaral, também prega a redução da área macuxi, mas não estabelece a faixa de fronteira. A perda do território, pela proposta dos senadores, pode chegar a 10%.

Outro lado

O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, classificou de “extemporâneas e inacreditáveis” as propostas do relatório do deputado Lindberg Farias (PT-RJ) sobre a área Raposa/Serra do Sol (RR).

“É surpreendente que um deputado de esquerda produza um relatório desses”, disse Gomes, que afirmou que nem mesmo o ministro da Defesa, José Viegas, considera a faixa de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana uma “questão de segurança nacional”, como aponta o relatório.

“O ministro Viegas já disse que não há incompatibilidade entre terras indígenas e presença das Forças Armadas.” Sobre as pressões de Lindberg para que os índios negociem trechos da área, foi incisivo: “Os índios não vão negociar nada. A terra é direito deles, confirmado por um longo processo de demarcação que permitiu o contraditório”.

Gomes afirmou que “o relatório é extemporâneo porque discute aspectos já longamente debatidos”.

Segundo ele, há um plano detalhado governo para a retirada das famílias de não-índios. Elas receberão casas, estrutura e área para plantio.

Lindberg foi procurado pela Folha, por telefone, ao longo de nove dias, para que comentasse seu relatório e a conversa que teve com os líderes macuxis, mas não foi localizado. Segundo sua assessoria, ele não estava se recusando a atender à reportagem, mas esteve “sobrecarregado” de trabalho nos últimos dias.

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