Projeto de Lei n.º 086/2003
Deputado Pedro Kemp
Dispõe sobre a prevenção, o tratamento e os direitos dos usuários de drogas no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências.
Art. 1º – Para efeitos desta Lei, considera-se que a dependência de drogas expressa um sofrimento que se traduz em dificuldades físicas, psicológicas, sociais e mesmo a mais prolongada deve ser sempre considerada uma situação provisória.
Art. 2º – São direitos fundamentais dos usuários de drogas:
I – não sofrer discriminação em campanhas de drogas;
II – o acesso pleno à saúde;
III – tratamentos que respeitem sua dignidade, permitam-lhes reinserção social e promovam uma vida livre e responsável;
IV – ser informado, em caso de tratamento, de todas as etapas, desconfortos, riscos, efeitos colaterais e benefícios do tratamento;
V – apoio psicológico durante e após o tratamento.
Art. 3º – São deveres do Estado:
I – desenvolver campanhas de prevenção, programas de tratamento que visem informar e conscientizar o conjunto da população, que estimulem o diálogo, a solidariedade e a inserção social dos usuários, não os estigmatizando ou discriminando;
II – estabelecer políticas de prevenção de tratamento e de reinserção que articulem os diferentes campos da saúde, educação, juventude, família, previdência social, justiça, emprego, estimulando e promovendo atividades públicas e privadas; III – prover as condições indispensáveis à garantia do pleno atendimento e acesso igualitário dos usuários de drogas aos serviços e ações da área da saúde; IV – garantir que as instituições que trabalham no tratamento e recuperação de dependentes de drogas disponham de instalações físicas adequadas, pessoal com competência técnica específica e atuem consoante os princípios éticos de respeito ao paciente;
V – assegurar a qualificação dos profissionais que trabalham com usuários de drogas, diretamente ou por meio de convênios, através de uma formação diversificada baseada nos saberes da área de saúde e das ciências humanas;
VI – prevenir a infecção pelo HIV, Hepatite C e outras patologias, garantindo o acesso a programas de troca de seringas e agulhas descartáveis e distribuição de preservativos.
Art. 4º – O Estado garantirá, por meio do órgão executor competente, acesso gratuito ao teste anti-HIV aos usuários de drogas, sem constrangimento ou obrigações.
§1º – A testagem sorológica deve ser procedida de aconselhamento pré-teste e pós-teste, sendo que o seu resultado deve ser protegido pelo segredo. § 2º – As pessoas soropositivas devem ser informadas do resultado do teste e amparadas do ponto de vista médico, psicológico, jurídico e social.
Art. 5º – É dever do Poder Executivo, através de seu órgão competente, estimular a criação de redes intermunicipais e multidisciplinares de atendimento, combate e prevenção, bem como programas de estudo e pesquisa sobre o uso e dependência de drogas,
Art. 6º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Pedro Kemp – PT
JUSTIFICATIVA
A dependência de drogas consiste em uma questão de grande complexidade que precisa ser amplamente discutida e assumida como desafio de promoção da vida humana, em todas as suas dimensões, por parte do Poder Público e da sociedade civil organizada.
O problema da droga deve ser visto dentro do contexto sociocultural e das condições físicas e psíquicas que envolvem seu consumo. O uso e o abuso de drogas têm crescido de modo significativo. Cada vez mais diminui a idade do primeiro contato com as substâncias psicoativas.
A maneira como se organiza a sociedade capitalista, cada vez mais pragmática, insensível, competitiva, consumista e individualista, acaba favorecendo o uso de drogas. O fenômeno da crise de valores, que atinge ricos e pobres, tem raízes nas transformações pelas quais passam a economia e a política em âmbito mundial. A partir de uma ideologia avessa aos valores humanos, porque fundada no absolutismo do dinheiro, instala-se, em todo mundo, feroz concorrência pela disputa de mercados para vender aos poucos que podem comprar, criando nas pessoas necessidades ilusórias e artificiais.
Quem não tem acesso ao mercado se sente inferior e frustado. Os horizontes se fecham e as esperanças são forçosamente reduzidas, o caminho do diálogo, da reflexão e do compromisso é facilmente descartado em troca de alguma coisa que proporcione ao menos um alívio momentâneo e permita escapar do enfrentamento com a dura realidade. Não é surpreendente que adultos, jovens e até crianças procurem nas drogas um meio de fugir dos seus problemas.
Na pesquisa realizada pela Secretaria Nacional Antidrogas, divulgada durante a IV Semana Nacional Antidrogas, as estatísticas apontavam que cerca de 9 milhões de brasileiros fizeram uso de drogas ilícitas pelo menos uma vez na vida.
O I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas em 2002, através de pesquisa extensiva, estudando 107 cidades com mais de 200 mil habitantes na faixa etária de 12 a 65 anos de idade, demonstrou que 19,4% da população pesquisada já fez uso de drogas ilícitas, sendo a maconha a mais consumida (6,9%), em segundo aparecendo os solventes (5,8%), seguido dos orexígenos (medicamentos utilizados para estimular o apetite), com 4,3%. A cocaína é consumida por 2,3% da população.
O Brasil ainda não possui uma rede ampla para ajudar pessoas prejudicadas por álcool e substâncias ilícitas. A principal oferta da rede pública, para os milhões de dependentes, mantida pelo Governo Federal, são os Centros de Atendimento Psicossocial -CAPs, 42 em todo o país, estando ausentes em 10 estados brasileiros, além dos serviços isolados prestados pelos hospitais universitários.
Algumas políticas de combate e prevenção ao uso de drogas adotadas pelos governos brasileiros, destacaram-se pela forte repressão ao tráfico e à produção das chamadas drogas ilícitas. Historicamente, o usuário de drogas é excluído e marginalizado, não tendo o seu tratamento e reintegração às atividades sociais, considerados uma política pública pelo Estado.
O usuário de drogas precisa ser entendido como um cidadão pleno, com direitos e deveres, cuja dependência expressa um momento de sofrimento físico e psicológico. Para tanto precisa ser tratado como um ser humano que carece de atendimento de políticas públicas que respeitem sua dignidade e lhes permitam reinserção social.
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